Muito se tem falado sobre a necessidade de compartilhar informações com os pacientes, em torná-los mais ativos em seus cuidados, em desenhar os nossos serviços através do olhar do usuário. Fico extremamente feliz quando vejo esse movimento ganhar força, ainda mais eu, que tenho formação em Design Thinking e Design de Serviços!
Mas, será que não estamos perdendo nosso tempo quando criamos uma aba para os pacientes nos sites de saúde? O quanto nós conseguimos efetivamente nos comunicar com eles?
Sim, eu estou falando de Alfabetização em Saúde. Ou Health Literacy.
E o que é Alfabetização em Saúde?
Segundo relatório do Institute Of Medicine (Health Literacy: A Prescription to End Confusion — 2004), é o grau de capacidade que o indivíduo tem de obter, processar e compreender a informação e os serviços básicos sobre saúde, necessário para tomar decisões apropriadas.
Isso não está relacionado com escolaridade. Aliás, não tem nada a ver.
A alfabetização em saúde vai além da leitura e da escrita; ela inclui a escuta, a fala, o uso de habilidades matemáticas e o raciocínio para a tomada de decisões cotidianas.
Dados do relatório “Alfabetismo no Mundo do Trabalho” mostram que apenas 8% dos brasileiros têm plenas condições de compreender e se expressar. Eles estão no nível “proficiente”, o mais avançado de alfabetismo funcional em um índice chamado Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional).
Significa que são capazes de compreender e elaborar textos de diferentes tipos, opinar sobre o posicionamento do autor do texto, interpretar tabelas e gráficos, resolver situações de diferentes tipos, sendo capazes de desenvolver planejamento, controle e elaboração.
Aí é que entra o pulo do gato: dos brasileiros com ensino superior ou mais, menos da metade (45%) são considerados proficientes. Aliás, 16% ficam entre os níveis rudimentar e elementar. Só para deixar ainda mais claro: numa situação ideal, os estudantes que completam o ensino médio deveriam alcançar o nível proficiente.
Qual o impacto de lidarmos com tamanho disparate?
A alfabetização em saúde inadequada está associada a menor conhecimento sobre doenças crônicas, pior auto-cuidado e menor uso dos serviços de prevenção.
Um relatório publicado no JAMA em 1999 mostrou que a alfabetização em saúde é um preditor da saúde de um indivíduo mais forte do que a idade, raça e nível socioeconômico. A baixa alfabetização em saúde foi associada a uma maior taxa de internações hospitalares e uso de serviços de emergência.
Há trabalhos, inclusive, relacionando essa deficiência à mortalidade, com um risco 1.52 maior para doenças cardiovasculares naqueles que têm uma alfabetização em saúde considerada inadequada.
E como estamos nos comunicando atualmente?
Os americanos utilizam uma escala denominada Flesh-Kincaid que avalia a legibilidade do seu texto. A escala completa pode ser encontrada aqui.
De modo geral, a Associação Médica Americana (AMA) determinou que um adulto americano, em média, lê em um nível correspondente à oitava série. Sendo assim, ela recomenda que os textos destinados aos pacientes sejam de um nível da sexta série para baixo.
E é aí que começa a ficar interessante:
Um estudo avaliou a legibilidade de 24 sites de sociedades de anestesiologia, sendo que 67% delas ofereciam informações aos pacientes. Todos os materiais fornecidos possuíam nível maior do que 8.
Outro estudo avaliou a legibilidade dos materiais educativos fornecidos aos pacientes da Sociedade Americana de Anestesiologia. Todos possuíam nível maior do que 8, com uma média de 12.3 na escala Flesh-Kincaid! Para contextualizá-los, a revista Time Magazine possui o mesmo nível de dificuldade.
Saindo do mundo digital, a forma como nos comunicamos com nossos pacientes em nossos atendimentos também é de extrema importância. Uso de jargões, linguagem rebuscada, fornecer informações incompletas ou de maneira muito rápida dificultam o entendimento.
Não é à toa que, em um estudo multicêntrico europeu, 20% dos pacientes ainda possuíam dúvidas em relação ao jejum pré-operatório menos de uma semana antes da cirurgia!
Estima-se que a baixa alfabetização em saúde onere o sistema de saúde americano com 73 bilhões de dólares adicionais.
Deste modo, voltamos à pergunta que abre este texto: estamos desperdiçando nosso tempo? E quando digo “nosso”, incluo também o dos nossos pacientes.
A internet é atualmente a fonte de informação mais utilizada pelos pacientes cirúrgicos, até mesmo porque 50% deles saem do consultório médico com quase nenhum entendimento do seu diagnóstico e tratamento.
Estudos mostram que mais de 80% dos adultos americanos procuram informações sobre saúde em geral na internet.
Apesar do interesse crescente, como vimos, as informações fornecidas são difíceis de ler e, como qualquer um pode publicar, a internet pode ser uma fonte de informações inadequadas. Menos da metade das informações de saúde disponíveis foram revisadas por médicos.
Usar uma linguagem mais clara, simples, substituindo jargões, termos técnicos e expressões em latim tão comuns no nosso dia a dia facilita o entendimento.
Segundo uma revisão sistemática de 2011, uso de figuras, símbolos e vídeos parecem aumentar a compreensão do texto ao passo que o uso de gráficos, piora (lembrem-se que apenas 8% da população consegue interpretá-los).
Vejo um dispêndio enorme de esforços e dinheiro para automação e melhoria de processos, prontuários eletrônicos, escritórios de experiências do paciente, maquinários para aumentar a segurança de medicações.
Tudo isso é extremamente válido mas a lacuna permanecerá enquanto não nos empenharmos mais em melhorar a nossa comunicação com os nossos pacientes.
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