O que os olhos não veem…

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     O ato anestésico-cirúrgico foi um “sucesso”, você extuba seu paciente e o encaminha à sala de recuperação anestésica (SRA). Posteriormente, um colega seu dará a alta para o leito enquanto você já está realizando outra anestesia. O dia se passa, a semana, o mês. Foram dias bons sem nenhuma intercorrência, você pondera.

   Mas será mesmo?
   O quanto sabemos dos nossos pacientes a partir do momento que os tiramos da sala de cirurgia? O que acontece com eles na SRA, enfermaria, em casa?

  Sessler avaliou em sua publicação que a mortalidade intraoperatória por causa anestésica decaiu tanto nas últimas décadas que a pós-operatória em 30 dias chega a ser 1.000 vezes maior (1).
  Análises do ASA Closed Claims mostram que 5 a 7% dos processos judiciais estavam relacionados à SRA e que quase 70% resultaram de complicações respiratórias e vias aéreas. Erros ou atrasos diagnósticos foram citados em mais da metade dos casos (2).  Sabemos ainda que à medida que o paciente se afasta de nossos cuidados, da sala de cirurgia, para a SRA e depois a enfermaria, a mortalidade aumenta em decorrência de um complicação; 44,8%, 51% e 64,7%, respectivamente (3).
  Some a isso o fato de que um paciente que apresente algum incidente na SRA como hipotensão, dessaturação ou sedação terá mais chances de necessitar do acionamento do time de resposta rápida na enfermaria (OR  3.08, 2.21 e 10.67, respectivamente)(4).

  Mas é claro, o acionamento ocorrerá se a enfermagem o detectar a tempo. Outro estudo de Sessler, que avaliou 833 pacientes pós-cirúrgicos, encontrou que episódios hipoxêmicos são muito comuns e persistentes e que 90% deles não são identificados pela enfermagem (5). De fato, mais da metade de todos os eventos cardiorrespiratórios ocorrem na enfermaria, com mortalidade superior a 40% (6).

  Identificar pacientes de risco é fundamental para garantir uma recuperação segura. Estudos recentes mostram que pacientes masculinos, acima de 60 anos, virgens de opioide, com desordens do sono e/ou insuficiência cardíaca possuem riscos elevados de depressão respiratória induzida por opioides, por exemplo. A simples oferta de O2 suplementar diminuiu a incidência de 46% para 8%! (6).

  Estamos habituados a realizarmos um planejamento meticuloso para o manejo intraoperatório. Por que não estender este planejamento para além do centro cirúrgico?

  Se o que os olhos não veem, o coração não sente; o cérebro sabedor de todos estes dados poderá nos guiar para elevar a segurança anestésica no perioperatório.

Referências

  1. Sessler DI, Khanna AK. Perioperative myocardial injury and the contribution of hypotension. Intensive Care Med. 2018;44(6):811-22.
  2. Kellner DB, Urman RD, Greenberg P, Brovman EY. Analysis of adverse outcomes in the post-anesthesia care unit based on anesthesia liability data. J Clin Anesth. 2018 Nov;50:48-56. doi: 10.1016/j.jclinane.2018.06.038. Epub 2018 Jun 29. PMID: 29979999.
  3. Bocanegra-Rivera JC, Arias-Botero JH. Caracterización y análisis de eventos adversos en procesos cerrados de anestesiólogos apoderados por la Sociedad Colombiana de Anestesiología y Reanimación (S.C.A.R.E.) en Colombia entre 1993–2012. Rev Colomb Anestesiol. 2016;44:201–208
  4. Petersen Tym MK, Ludbrook GL, Flabouris A, Seglenieks R, Painter TW. Developing models to predict early postoperative patient deterioration and adverse events. ANZ J Surg. 2017 Jun;87(6):457-461. doi: 10.1111/ans.13874. Epub 2017 Feb 1. PMID: 28147435.
  5. Sun Z, Sessler DI, Dalton JE, Devereaux PJ, Shahinyan A, Naylor AJ, Hutcherson MT, Finnegan PS, Tandon V, Darvish-Kazem S, Chugh S, Alzayer H, Kurz A. Postoperative Hypoxemia Is Common and Persistent: A Prospective Blinded Observational Study. Anesth Analg. 2015 Sep;121(3):709-15. doi: 10.1213/ANE.0000000000000836. PMID: 26287299; PMCID: PMC4825673.
  6. Khanna, Ashish K et al. “Prediction of Opioid-Induced Respiratory Depression on Inpatient Wards Using Continuous Capnography and Oximetry: An International Prospective, Observational Trial.” Anesthesia and analgesia vol. 131,4 (2020): 1012-1024. doi:10.1213/ANE.0000000000004788

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